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NARRATIVAS INDÍGENAS DA PANDEMIA

Série de perfis das novas lideranças conta como é o enfrentamento da crise sanitária da covid-19 nas aldeias, da atuação artística às estratégias políticas para lidar com a grilagem, as queimadas, o governo federal, o cancelamento dos ritos tradicionais e a morte.

Xavante

CRISTIAN WARIU

Um youtuber contra a desinformação

Por Daniela de Jesus

Foto:  Lorena Curuaia

A voz serena na chamada na web é a mesma dos vídeos no YouTube. O tom baixo não se exalta nem mesmo para comentar o discurso raivoso do governo federal. Mas quem escuta atentamente os esclarecimentos e explicações de Cristian Wariu Tseremey'wa, estudante universitário xavante de 22 anos, percebe logo a força que fez dele uma das expressões de mais destaque do movimento indígena no universo digital. A jovem liderança tem 28,4 mil inscritos no canal do Youtube, outros 34,3 mil seguidores no Instagram e agita um Podcast no combate à desinformação.

 

Cristian assume esse papel desde a infância. Na escola, explicava aos colegas de classe e professores não indígenas que ele não andava nu em casa nem comia carne humana. Filho de pai xavante e mãe tupi-guarani, teve que lidar com os estereótipos e a intolerância ainda cedo, logo que entendeu a falta de conhecimento da sociedade sobre os povos originários. Essa constante explicação, de difundir informações e desmistificar preconceitos, o levou ao curso de Comunicação Organizacional na Universidade de Brasília. No campus da UnB, ele aprofundou sobre um novo mundo e no exercício de propagar a causa indígena.

 

Wariu recebeu influência em casa. Ele é filho mais velho de Crisantô Rudzö, presidente da Federação dos Povos e Organizações Indígenas de Mato Grosso (Fepoimt). Criança, acompanhava as conversas de Rudzö. “Meu pai e eu conversamos bastante, ele faz até uma observação de que eu sou a versão dele que deu certo mais rápido”, conta. “Porque na idade que eu fiz o vestibular ele não passou e eu passei. Quando eu comecei a ter as minhas conquistas com o canal, ele teve a oportunidade de presidir a Fepoimt”, completa. “Observamos bastante essas conquistas e nos consideramos muito parceiros.”

 

Pai e filho desenvolveram sua trajetória no movimento indígena em contextos culturais e sociais diferentes. Mas, tanto Cristian quanto Crisantô, conseguiram atingir formas claras de se comunicar com sua geração. 

 

Cristian utiliza bastante dos canais digitais para passar as informações e planejar campanhas. Além do canal “Wariu” no Youtube, o jovem xavante participa do podcast “Copiô, Parente” do Instituto Socioambiental, do podcast “Voz indígena” e é assessor da Fepoimt. Por meio desses canais, Cristian busca levar explicações acessíveis e de fácil entendimento para os seguidores.

Ele comenta um pouco sobre a sua atuação na internet:

 

Com o avanço da pandemia em março de 2020, as aulas presenciais na universidade foram interrompidas, mas Cristian decidiu permanecer em Brasília, longe de seu território, Parabubure, na região do Vale do Araguaia, no Mato Grosso. Ele temia correr o risco de contaminar a aldeia. De longe, porém, Cristian idealizou campanhas como a SOS Xavante, com vídeos e transmissões na internet, para divulgar informações e conseguir recursos.

 

Ele pôs parentes e amigos das aldeias em lives que criticaram a negligência da Secretaria Especial de Saúde Indígena, a Sesai, ligada ao Ministério da Saúde, no combate ao vírus. “A Sesai não levou a sério, eles sequer adquiriram os primeiros medicamentos”, afirma. “Só quando o surto chegou é que a ficha caiu e eles começaram a fazer alguma coisa.” 

 

Ele conta como foi a pandemia para os xavantes:

 

A dificuldade do contato entre os povos indígenas e não indígenas também dificultou o processo para evitar o contágio. “Os xavantes descobriram a existência de povos não indígenas 70 anos atrás, então muitos nem falam português”, observa. 

 

Cristian foi afetado diretamente pela pandemia, pois perdeu para o vírus seu avô Eduardo, liderança importante do Alto Xingu e sua avó Ângela. O pai chegou a ser hospitalizado, mas resistiu à doença. 

 

Terras

 

Em plena pandemia, as propostas de mudanças na legislação agrária e os pedidos de posse por parte de ruralistas se intensificaram “O conceito de desenvolvimento destrutivo afeta os vários povos indígenas que estão lidando com isso”, afirma o youtuber. “Neste período, houve uma intensificação de projetos de leis e invasões que tentavam tomar o territórios indígenas”, completa. “Se não houvesse as organizações indigenistas, o estrago teria sido bem grande.” Os desafios comuns do seu povo pioraram com a pandemia. Assim ele explica:

O espírito de comunidade é o que rege a vida dos xavantes. Cristian deixa claro que apoio e suporte são maneiras de resistência e luta ainda mais relevantes em tempos de redes sociais. Também sabe que não pode dar trégua no combate à desinformação. Na vida real e nos canais na internet, ele segue com a sua voz calma e potente.

Pataxó

A influenciadora digital que conta uma nova história do Brasil

Por Beatriz Sardinha

ALICE PATAXÓ

Foto: Oficina de Mídias Sociais na luta indígena realizado pelo papo de índio na Aldeia Tupinambá Itapuã, em Ilhéus.

De uma pequena aldeia pataxó com  60 famílias no município do Prado, no extremo sul baiano, Alice, de 19 anos, conquistou um amplo espaço no território das redes sociais. Moradora de Mãe Pataxó, na Terra Indígena Barra Velha, região da Costa das Baleias, a jovem liderança divulga a sua cultura e defende uma visão decolonial do país a seus mais de 50 mil seguidores no Twitter, 25 mil no Instagram e outros cinco mil inscritos no canal Nuhé, do YouTube. 

 

Ela reside atualmente em Porto Seguro, onde cursa Bacharelado Interdisciplinar em Humanidades na Universidade Federal do Sul da Bahia. Longe da aldeia, Alice conta sobre a sua proximidade com a mãe e a irmã e como a falta das duas, que moram distante, é sentida na pandemia. A mãe foi uma incentivadora do trabalho de Alice. “Comecei a acompanhar ela na luta. Foi nesse momento que eu entendi a importância da ausência dela em casa para a luta pela educação Indígena”, relata. “É a minha referência de luta feminina no meu povo.”

 

Nas redes sociais, Alice Pataxó mostra o gosto pela pintura. Ela retrata  a importância do desenho pataxó como um reflexo dos sentimentos. “Faço pintura corporal há anos e nós acreditamos que isso é um dom, uma intimidade, um momento de transmissão de energia”, explica. A jovem influenciadora conta que realiza tipos diferentes de desenhos. É uma prática que a fascina.

 

Em vídeos e posts, a comunicadora adota uma abordagem firme, explicitando as suas posições políticas. Ela ressalta que o comportamento ativista nas redes sociais não exclui o caráter educativo das suas mensagens. As postagens mais frequentes e populares são em forma de “fios”, do inglês thread, em que ela destrincha algum tema no Twitter com minúcia.

 

No seu trabalho, ela abre espaços de diálogo com outras meninas e mulheres indígenas, como forma de estimular a união entre as mulheres para firmar a autonomia. “A força da mulher indígena não passa só por conceber a vida, mas por manter seu território”, diz. Alice explica que é importante conquistar espaço para mostrar que as mulheres fazem parte da vida política da aldeia.

 

 

Impulso

 

A experiência de Alice na internet ganhou nova dinâmica a partir do avanço da covid-19. A influenciadora percebeu que o isolamento ajudou, de certa maneira, a difusão de informações sobre as aldeias. Pessoas muito distantes da cultura indígena foram surpreendidas ao encontrar conteúdos dos grupos tradicionais no meio digital. “Pra você ver o nível, né? As pessoas acham que estamos em 1.500, andamos apenas de canoa e não podemos ter um celular ou um carro”, comenta. “Isso supostamente eliminaria nossa ancestralidade indígena.” 

 

 

 

A jovem ressalta que a população brasileira está “acordando” para a compreensão do passado do país. Muitas pessoas, avalia, estão percebendo as “mentiras” na história do Brasil. O trabalho de Alice ressalta a trajetória de um povo em busca de espaço na historiografia nacional. “Quem sofre nessa história nunca contou a própria história”, observa.

 

Alice relata que é muito difícil encontrar pessoas que reconheçam os processos históricos de escravidão e genocídio enfrentados pelos indígenas. Muito do trabalho da comunicadora passa por colocar a vivência de seu povo para que o espectador, ou leitor, olhe a cultura indígena “despido” de preconceitos. “Nós não temos características físicas únicas e não somos incapazes”, destaca, numa crítica a estereótipos.

 

Um assunto recorrente nas redes sociais indígenas, segundo a produtora de conteúdos, é a luta territorial. Há muitos que associam a resistência dos povos tradicionais à “tomada” de terra pelas comunidades, especialmente no Sul da Bahia. “Nós estamos apenas buscando nosso direito originário”, afirma. Alice ressalta que trata-se de entender a dor do processo da colonização sofrido pelos nativos, muito antes de qualquer tipo de idealização de “projeto” de Brasil colonizatório português.

 

 

 

 

 

 

 

 

A uma pergunta sobre a atuação da imprensa na pandemia, Alice Pataxó faz críticas. Ela diz ter se sentido “apagada”, assim como em outros momentos. A dificuldade em encontrar dados e a falta de difusão das informações para o grande público sobre como os moradores das aldeias têm lidado com  a doença, segundo Alice, contribui para invisibilizar a questão indígena. 

 

Para a jovem liderança, parece haver ainda um certo esquecimento do jornalismo ao tratar de assuntos pertinentes aos indígenas, mesmo com associações e figuras de destaque denunciando os problemas. Deve-se entender, igualmente, que existem histórias a serem contadas de seus pontos de vista, ainda mais ao considerarmos que os indígenas correspondem a um dos maiores grupos de risco contra a covid-19.  Assim ela fala a respeito da visibilidade midiática:

Sobre o momento político do país, Alice diz que ter um governo que não apoia os indígenas e incentiva a violência dificulta muito o processo. Em tom de desabafo, ela afirma que “não tem outra coisa a dizer, se não ‘fora Bolsonaro’.”

 

De acordo com o portal Terras Indígenas no Brasil, a Região Sul da Bahia tem 11.619 indígenas. Essa parte do estado apresenta cidades visadas pela indústria do turismo e, consequentemente, pela especulação imobiliária. Outro problema é o avanço das plantações de eucalipto da empresa de celulose Veracel, que cercam algumas aldeias.

 

Alice relata que, em 2020, ocorreu uma tentativa de reintegração de posse pela aldeia Novos Guerreiros, no Território de Ponta Grande. A situação se resolveu a favor dos indígenas com a ajuda de advogados e do engajamento do movimento social. Antes, o território era utilizado como aeródromo. O processo previa a reintegração de uma área de 400 metros quadrados. Em agosto, os moradores da Novos Guerreiros enfrentaram intimidação da Polícia Federal para que a pista do Clube de Aviação fosse liberada.

 

No mês de setembro, o Ministério da Justiça autorizou o uso da Força Nacional de Segurança Pública contra os assentamentos Jacy Rocha e Rosa Prado, também no Sul da Bahia. Os assentamentos são organizados pelo Movimento dos Sem Terra (MST).

 

Isolamento

 

A aldeia de Alice, a Pataxó Craveiro, é uma das mais fechadas da região. A influenciadora digital destaca que não houve casos confirmados da covid-19 em sua aldeia, e que o isolamento total permanece. Um dos fatores para isso é a presença de muitos anciãos. Estabeleceu-se o controle daqueles que entravam e saíam da comunidade. No início do avanço da doença, a saída de pessoas era restrita somente em casos de forte necessidade como, por exemplo, problemas de saúde. Como muitas famílias trabalham com agricultura familiar, no interior do território indígena, não havia dificuldades no controle de acessos.

 

A escola da aldeia teve as atividades interrompidas para o cumprimento das medidas de segurança. Por conta da aldeia fechada pelo isolamento social, trazer crianças de outros locais que não seguem o mesmo tipo de barreira sanitária, ou que não têm muitas informações da situação interna da covid-19, dificultaria o controle. Ela destaca também  a distância do hospital de referência e problemas de telefonia. “A conexão de celular na aldeia não é muito boa, a única internet comunitária da aldeia está na escola. Não é possível colocar as crianças para ter aula online”, explica. Isto se deve a  dificuldade do acompanhamento dos professores e também das atividades. 

 

A escola indígena ainda carece de material escolar e tecnológico em decorrência do descaso do Estado. No caso da Pataxó Craveiro, o colégio não dispõe de computadores nem mesmo para a realização de tarefas administrativas.

 

Alice ressalta que a interrupção do turismo prejudicou as aldeias pataxós, que tinham nesse setor econômico sua principal fonte de renda. Foi o caso, em especial, da Terra Indígena Coroa Vermelha. 

 

A região da “Costa do Descobrimento” abriga municípios como Santa Cruz Cabrália, com praias, centros históricos, feiras de artesanato movimentadas e o Memorial Indígena. “Nós temos aldeias que são referências no etnoturismo, como a Reserva da Jaqueira, Aldeia Txagrú Mirawe, Coroa Vermelha”, observa Alice. “É um jeito de preservar nossa cultura e de viver nossos modos de vida e ter sustento na região.”

 

O isolamento trouxe uma nova forma de viver que foi sentida na aldeia, especialmente no ambiente escolar e nos momentos coletivos dos rituais. Para respeitar as medidas de proteção, o impacto cultural foi ainda maior. "Nossos rituais são feitos com as pessoas muito próximas, pois se trata de uma transmissão de energia. Entender esse momento sagrado como um momento de perigo pelo contato, o qual pode transmitir uma doença para outra pessoa, é muito difícil", analisa.

 

Como estudante universitária, Alice Pataxó também vivenciou a mudança do ensino para a modalidade à distância. Problemas comuns no cotidiano de muitos estudantes no cenário nacional, como quedas de internet e de energia, também foram sentidos por ela. Por isso, decidiu se mudar para Porto Seguro, que além de facilitar a conexão com a faculdade, contribuiu com o seu trabalho de comunicação em ambiente digital. 

Antes de encerrar a conversa, Alice deixa uma importante mensagem:

Kuikuro

TAKUMÃ KUIKURO

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Um cineasta entre a pandemia e o fogo

Por Rafael Paiva

Foto: arquivo pessoal

Com uma câmera nas mãos, Takumã Kuikuro deu passos largos. Aos 37 anos, o morador da aldeia Ipatse, na região do Alto Xingu, no Mato Grosso, é um cineasta conhecido nos festivais do Brasil e do exterior por mostrar a cultura indígena e o seu olhar sobre as cidades que conheceu.

 

O tempo de pandemia mostrou uma nova faceta do diretor de produções como “Karioka” e “Londres como uma Aldeia”. Por meio de entrevistas, pequenos vídeos e publicações nas redes sociais, ele tem despertado atenção pelo modo de contar as experiências da sua comunidade no combate ao avanço da doença e de outro problema grave na região: as queimadas que destroem a vegetação nativa.

 

Foi logo após uma partida de futebol com os amigos num final de semana que Takumã participou de uma chamada de vídeo com a reportagem. Nela, analisou os temas em questão. “A gente nem esperava que isso fosse chegar até aqui”, disse. Quando começaram a pipocar as primeiras notícias na televisão e na internet sobre o novo coronavírus na China, Takumã e outros indígenas, assim como muitos “não indígenas”, diga-se de passagem, não imaginavam o sufoco.

 

À medida que a covid-19 se alastrava pelo mundo e se aproximava do Xingu, a dúvida e o temor entraram em jogo. As informações em torno da utilização da máscara e do álcool em gel foram recebidas com estranheza na aldeia. “Uma coisa muito assustadora. Não é a nossa realidade, né?”, relatou. O aparecimento de palavras como quarentena e isolamento gerou incertezas. O medo da morte, por sua vez, estava ali. “Muita gente ficou preocupada. Todo mundo achou que iria morrer com essa doença.” 

Sua fala a respeito disso é bastante expressiva:

 

 

No decorrer do tempo, como medidas de prevenção ao coronavírus, foram tomadas algumas decisões internas e outras em conjunto com organizações da área de proteção indígena. De acordo com Takumã, o primeiro cuidado tomado foi em relação ao deslocamento para as cidades. “Ninguém podia entrar, ninguém podia sair.” Algo que gerou questionamentos de alguns. A exceção à restrição ficaria por conta daqueles que precisassem de atendimento médico em virtude de outra enfermidade séria ou necessidade. 

 

A construção de um espaço tradicional para isolamento dentro da aldeia, a compra de equipamentos hospitalares, como camas e cilindros de oxigênio, voltados para uma unidade de atendimento local, e a contratação de profissionais da saúde ganharam destaque na imprensa. Boa parte dessas ações foi possibilitada graças às arrecadações em dinheiro. 

 

Um aplicativo de celular também passou a ser utilizado, momentaneamente, para monitorar o fluxo dos aldeados e eventuais sintomas. Na luta contra as moléstias, os índios recorreram tanto ao moderno quanto ao tradicional. Takumã destacou que a pajelança e outras práticas da medicina indígena foram valorizadas.

 

O Kuarup silenciou

 

Pela primeira vez, no entanto, o Kuarup, célebre ritual em homenagem aos mortos, que conta com a participação de diversas etnias, teve que ser cancelado. Não era possível realizar a cerimônia pelo contexto pandêmico no chamado Alto Xingu.

 

Para além do cancelamento do evento, os xinguanos tiveram que lidar com uma perda sem igual. No mês de agosto, morreu o cacique Aritana Yawalapiti, aos 71 anos, vítima de covid-19. Aritana tinha o status de lenda na defesa do território. “A liderança mais importante do Xingu”, na avaliação de Takumã.

 

O Boletim Epidemiológico da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), de 27 de novembro, registrou que, nos meses de pandemia, foram notificados 535 casos confirmados e 13 óbitos pelo Distrito Sanitário Especial Indígena do Xingu (Dsei Xingu), unidade do Subsistema de Atenção à Saúde Indígena (SasiSUS).

 

Na aldeia Ipatse, onde vivem cerca de 400 pessoas, apesar dos cuidados iniciais, dezenas de indígenas acabaram infectados pelo novo coronavírus. Não houve, contudo, nenhum registro de óbito. “Todo mundo venceu, se recuperou 100%”, observou Takumã.

 

Ele contou que, neste momento – final de novembro de 2020 –, o fluxo na aldeia está completamente diferente do início. O receio parece ter se diluído ao longo do período. “A gente acredita que tudo voltou ao normal. As pessoas já estão participando de campeonatos de futebol, indo para o ritual”, relatou. “O trânsito entre a aldeia e a cidade voltou tudo ao normal. Não tem mais aquilo de algumas pessoas estarem orientando as pessoas antes de sair. Ninguém mais [fica] falando que o ‘corona vai pegar’.”

 

Em meio à “tal normalidade”, o cineasta afirmou que ao saírem para os municípios vizinhos todos respeitam as normas, levando álcool em gel e utilizando máscara. O último objeto, entretanto, é deixado de lado dentro da aldeia. 

Tudo isso trouxe aprendizados, como mencionado:

 

 

O fogo

 

Além da covid-19, os povos indígenas da região tiveram que enfrentar, no segundo semestre de 2020, um ciclo árduo de incêndios florestais. O Banco de Dados de Queimadas do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) registrou 1281 focos de calor na Terra Indígena Parque do Xingu, de 1º de julho a 31 de outubro, o maior número entre os territórios tradicionais. Só no mês de setembro, foram assinalados 918 focos, número quase quatro vezes maior ao do mesmo período do ano passado (232).

 

Com a intenção de auxiliar no combate a essa outra mazela, que trazia consequências tanto para os infectados pelo coronavírus quanto para quem tinha outras enfermidades, Takumã ajudou a criar uma campanha na internet para arrecadar recursos em prol dos brigadistas indígenas, especialmente para a compra de materiais básicos. Ele fez questão de acompanhar e registrar com sua câmera as atividades dos voluntários na empreitada. 

 

Devido à importância histórica do Xingu e à dimensão dos obstáculos enfrentados pelos indígenas, não é difícil supor que a carga de trabalho de Takumã esteve em alta neste ano. “Eu estava muito parado quando não tinha a pandemia. Quando comecei a registrar, as pessoas me procuraram muito. Trouxe mais produção. Trouxe mais trabalho.”


Por trás do homem que sempre dá a cara em defesa de seu povo, ou do cineasta de obras solo ou em parceria, como “Pele de Branco”, “As Hiper Mulheres”, entre outras, existe um indivíduo de fala afável e flamenguista. É filho de Samuagü Kuikuro e Tapualu Kalapalo, casado com Kisuagu Regina Kuikuro e pai de Kelly Kaitsu Kuikuro, Ahuseti Larissa Kuikuro, Mayupi Bernardo Kuikuro e Sarirua Kaluma Kuikuro. 

Marubo

BETO MARUBO

Beto Marubo era adolescente quando começou a ser preparado para representar mundo afora os povos do Vale do Javari, no extremo oeste do Amazonas. Hoje, com 44 anos, ele tem uma atuação que vai além de sua aldeia. É uma das vozes mais influentes do atual movimento indígena brasileiro. O ativista participou do fórum sobre os direitos das comunidades tradicionais nas Nações Unidas e tornou-se presença de destaque nos debates sobre a Amazônia e os direitos humanos.

 

 

 

A formação de Beto como liderança começou numa escola do Acre, onde foi enviado pelos anciãos da sua etnia para aprender o português. Índios de forte tradição política, os marubos precisavam de um representante nas discussões com autoridades e entidades da sociedade civil.

Com 8,5 milhões de hectares, o Javari é a segunda maior terra indígena demarcada do Brasil. Nesse local, do tamanho de Santa Catarina, além dos parentes de Beto, vivem povos  kanamari, korubos, matis, matsés e tsohom-djapás. Mas não é só. Há ainda grupos de línguas e costumes desconhecidos mesmo pelos indígenas em contato com a sociedade nacional.

A defesa dessas comunidades não contatadas é um dos focos da União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja), entidade que Beto representa. O trabalho da entidade é um complemento da ação do Estado brasileiro. Estima-se que 19 grupos desconhecidos vivem na floresta do território demarcado. Para esses habitantes da mata, o isolamento é uma forma de vida, ou mesmo uma opção após algum conflito ou fuga. A partir de 1987, a política indigenista do governo passou a fazer contatos apenas em casos que apresentassem risco às comunidades.

No momento atual, a preocupação da Univaja é a possibilidade da covid-19 chegar às áreas onde vivem esses povos de imunidade baixa, ressalta Beto. Uma simples gripe é capaz de provocar a morte.

Ele observa que os acessos ao Vale do Javari são difíceis, apenas por rios e varadouros – estradas estreitas na floresta - e as viagens a muitas aldeias podem levar dias. Assim, não esperava-se que a doença atingisse tão facilmente os mais de seis mil moradores do território demarcado. Porém, diante da força da mensagem oficial do presidente Jair Bolsonaro, que relativizou a covid-19 como uma “gripezinha”, não foi surpresa para os indígenas a falha do governo em impedir a interiorização da doença. 

Beto mobilizou indígenas e não-indígenas do país e do exterior para salvar as comunidades de sua região. Ele contou com a ajuda de um amigo, o premiado fotógrafo Sebastião Salgado, que já fez expedições na Amazônia, para divulgar nos meios de comunicação a necessidade dos moradores do Vale do Javari. Para a captação de recursos, a Associação Expedicionários da Saúde, uma organização voluntária para os povos indígenas, ofereceu seu auxílio. Dessa forma, foi possível a aquisição de equipamentos médicos e insumos para as aldeias.

A notícia da pandemia trouxe pânico ao Javari. Mas o isolamento, uma tradição do território indigena, tornou-se uma forma de sobreviver à doença do novo coronavírus. “Uma família sai da comunidade, faz um acampamento de palha, e se abriga ali por determinado tempo”, explica Beto. Elas geralmente escolhem lugares a montante dos rios, nas cabeceiras, pois nas margens mais abaixo dos cursos os riscos de contaminação de doença são maiores.

Uma grande preocupação das famílias é com os mais velhos. São eles as fontes do conhecimento e da tradição cultural, passados de forma oral. Levá-los para longe de locais de possível transmissão virou uma prioridade. Ainda hoje, meses após o começo da crise sanitária, as comunidades constroem grandes malocas (espaços de convivência indígena) dentro da floresta, mais afastadas das beiras de rios, onde há maior circulação de pessoas.

A relação entre os índios e o seu local de vivência é expressa pelo conceito de viver bem, isto é, estar em comunhão com a natureza. Seja nas aldeias ou em acampamentos temporários, o contato com o meio natural é direto. O rio permanece como uma fonte de vida. Ainda que distante das aldeias, o auto isolamento não os tira de casa. Mesmo nesse movimento de se auto isolar eles estão onde chamam de casa.

 

Falha do governo

 

Beto está entre as lideranças que moveram uma ação no Supremo Tribunal Federal para cobrar a responsabilidade do governo no combate à pandemia nas terras indígenas. A ADPF 709 (Arguição de descumprimento de preceito fundamental) busca alertar sobre o descumprimento de algum direito constitucional e exigir a iniciativa do Poder Público. 

No texto, os indígenas expõem a insatisfação perante a falta de ações do Estado na assistência de saúde nas comunidades tradicionais. “A pandemia está em curso há aproximadamente sete meses e ainda não há um plano adequado para lidar com o problema”, destaca o documento. 

Esse grupo tem obtido vitórias no STF. A Corte determinou a implementação de “barreiras sanitárias” nos acessos aos territórios indígenas, a fim de evitar a ida e vinda de pessoas contaminadas pela covid-19. Os mecanismos de controle estão a cargo da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), órgão do Ministério da Saúde. Beto afirma, no entanto, que as barreiras, “na prática”, não funcionam.

A Sesai atua em Polos-Bases, estruturas de atendimento interno no Vale do Javari, com alternância de equipe a cada 90 dias. Com a função de auxiliar a saúde dos indígenas, a secretaria acabou espalhando a pandemia na região. “Quem levou a doença para algumas regiões foram os servidores da Sesai”, denuncia o líder marubo. Os  indígenas relatam que, numa dessas transições de equipe, alguns servidores chegaram com a doença, dando início a uma onda de casos.

Abaixo é possível ouvir a declaração dele:

 

 

Casa invadida

 

A invasão de terra é outro problema enfrentado pelos povos do Vale do Javari. O território indígena sofre constantes entradas de contrabandistas, pescadores, caçadores, madeireiros e garimpeiros, que se dividem por áreas. Os garimpeiros, por exemplo, atuam mais na região leste, no Rio Jutaí, observa Beto. O líder indígena ressalta que, nos últimos anos, houve um aumento vertiginoso das invasões. Isso coloca as aldeias em situação de maior risco de contaminação de doenças como a covid-19.

Beto ressalta que a invasão de terra, para o índio, é a ocupação de sua casa. Não se trata apenas de uma área de valor econômico, mas um lugar carregado de tradição e história. “É onde os nossos ancestrais viveram”, observa. A relação harmônica entre nativos e natureza é única. Entre os marubos, por exemplo, não há uma hierarquia entre os seres vivos, seja uma ave, seja um rio. Todos são reconhecidos como parte da casa.

O descaso em relação aos povos tradicionais, afirma ele, deve-se ao enfraquecimento dos órgãos ambientais e ao discurso anti-indígena pregado pela direita brasileira. A mensagem implícita, destaca, é de que “as terras indígenas são muito ricas, pertencem a tudo e a todos”. “Podem entrar, podem saquear, podem fazer o que vocês bem entenderem”, completa.

Assim ele explica:

 

O discurso de terra sem dono foi reforçado pela minimização da doença por parte da Sesai, do Ministério da Saúde. A secretaria, observa Beto, é coordenada por um militar, o coronel Robson Santos da Silva, que segue a política bolsonarista para a Amazônia. 

A Coordenação-Geral dos Índios Isolados e de Recente Contato, órgão da Funai, por sua vez, é chefiada por um pastor evangélico e ex-missionário, Ricardo Lopes Dias. Por lei, esse órgão é o responsável pela proteção das comunidades desconhecidas. Beto critica a atuação no território indígena de grupos como os dos missionários fundamentalistas. “Eles usam muito as brechas onde o Estado é ausente”, avalia.

Por fim, ele conclui:

Forjado para liderar

Por Ricardo Melo

Foto: arquivo pessoal

Haliti-Paresí

“Olá, guerreira”, foi como Genilson Kezomae se referiu à repórter no primeiro contato para entrevista, mesmo sendo  ele o detentor de características clássicas da figura de guerreiro dos filmes e livros. Um homem grande, de cabelos compridos, de rosto fechado e fala firme que não abre margem para dúvidas. Kezomae é uma nova liderança da Aldeia Wazare, do povo haliti-paresí, em Campo Novo do Parecis, Mato Grosso.

 

Os paresís ficaram conhecidos, nos últimos anos, por entrarem no agronegócio, arrendando terras para grandes produtores e trabalhando principalmente com lavouras de soja. É um caso específico e muito diferente da realidade de outras etnias brasileiras, que sofrem justamente com as grilagens e ameaças de grupos ruralistas.

Diante da desconfiança, e do estranhamento de outras etnias, os paresís buscam há 20 anos alternativas ao processo secular de aculturação e violência contra as suas aldeias. As gerações mais antigas enfrentaram a escravidão na produção de seringa e na pecuária. As lideranças argumentam que a adesão a culturas mecanizadas e ao processo de arrendamento, com os índios dirigindo as máquinas, ocorreu por conta da necessidade. 

Esse processo complexo foi acompanhado por indigenistas. Hoje, o desafio deles é garantir cada vez mais a autonomia das comunidades no cultivo e na venda dos grãos, sem perder a cultura e a identidade. 

É uma tradição de família. Na liderança de sua comunidade, Genilson procura seguir os passos do pai Daniel Cabixi, falecido em 2017, que apostava na obtenção de renda dentro da lógica capitalista como forma de garantir a melhoria da qualidade de vida das famílias. “Ele defendia a tese de que os povos indígenas, pelos muitos anos de contato, teriam muitas necessidades similares às de vocês que são os não indígenas”, relata. “Ele defendia que a economia era fundamental para fortalecer a qualidade de vida dos povos indígenas em seus territórios, de modo a proteger a sua cultura, território e tradições.” 

Todo dia, Genilson acorda entre 4h30 e 5 horas da manhã para trabalhar e volta para casa às 20 horas, depois de percorrer 16 quilômetros entre a sua residência e a sede da cooperativa Copi-Paresí, a chamada Matsene Kalore - na língua indígena “Roça Grande”. Ele divide o tempo entre as atividades de diretor financeiro da cooperativa e as aulas ministradas em um curso superior de administração. “Ainda não tenho formação, a minha única formação é ler o livro técnico de administração”, afirma Kezomae. 

Os halitis-paresís são organizados em 74 aldeias, que se dividem em três cooperativas. As entidades mantêm relações econômicas e sociais com outras associações indígenas, como as das etnias Nambikwara e Manoki - essas duas também se dedicam à atividade agrícola. A Copi-Paresí foi fundada em 2019 com objetivo de atuar em uma área de quatro mil hectares de terra plantada, que arrecada entre R$8 e R$ 12 milhões em receita por ano - a depender da safra -, resultando em lucro líquido de até R$ 4 milhões. 

Ele comenta sobre a importância das cooperativas:

A prática da lavoura mecanizada e extensiva trouxe melhorias para a comunidade, como o acesso à internet aos aldeados. Os indígenas conseguiram ainda garantir financiamento estudantil de graduação e cursos técnicos.

 

Lutas e reconhecimento

 

Ao contrário do que muitos podem pensar, a entrada dos paresís no mundo do agronegócio não se deu de uma hora para outra, tampouco ilustra um caminho tranquilo de desenvolvimento humano. Esse povo carrega no seu nome e nas suas vivências os seus ancestrais, que também são compostos por antepassados colonizadores. O termo “paresí” foi dado pelos portugueses ao povo haliti, nome nativo que significa gente e pessoa. Hoje, eles se denominam halitis-paresís, carregando a junção cultural, como forma de expressar a mistura da tradição dos antepassados e do convívio com os não indígenas. 

Antes de pensar na mudança de renda da aldeia, o pai de Genilson foi uma liderança marcante do movimento indígena aglutinado em torno da Assembleia Constituinte de 1988. No texto da nova Carta, o movimento conquistou os capítulos 231 e 232, que reconhecem  direitos dos povos tradicionais, suas terras e sua identidade, a partir da compreensão de um Brasil multicultural.

Antes da Constituição Cidadã, a realidade narrada por Genilson era de transição gradual e lenta da ditadura militar, com a maioria das terras indígenas ainda sem demarcação. Um processo que foi dificultado devido ao fato de poucas lideranças saberem ler naquele período.

À época, começaram as primeiras reuniões no país para a realização de ações políticas, também foi o início das tentativas de sensibilizar a sociedade brasileira e internacional pela causa.  O papel do reconhecimento é vital, como ele diz:

Antes, diante da fragilidade do amparo legal aos povos indígenas, os direitos das aldeias eram escassos e o respeito à cultura tradicional não ocorria em sala de aula. A educação era oferecida aos paresís num internato religioso, a Missão Anchieta, o Utiariti, que na língua indígena significa lugar de gente sábia (utia é sábio e haliti representa gente). O espaço escolar fica a 550 quilômetros de Cuiabá. Ali, os indígenas mato-grossenses eram catequizados, proibidos de falar a língua materna e obrigados a aprender o português.

A experiência causou traumas severos nos povos da região. Logo, muitos tiveram que se organizar para reaver as raízes. A luta dos anciãos resultou numa política nacional que regula a educação indígena e respeita a diversidade cultural de cada etnia. Além de oferecer liberdade para cada povo, em  conjunto com o município, elaborar estratégias curriculares que se adequem às necessidades, como o ensino bilíngue, levando em consideração a cultura tradicional. 

A partir de 1992, os halitis-paresís buscaram judicialmente a representação das comunidades na política por meio da criação das associações. As entidades não tinham fins lucrativos nem podiam organizar o cultivo e a comercialização de seus produtos. Foi aí que buscaram o modelo de cooperativas econômicas. “A cooperativa hoje está sendo uma ferramenta de trabalho e de organização das comunidades”, ressalta Genilson. “Algumas atividades produtivas não tinham amparo institucional.” 

No início da pandemia da covid-19, a cooperativa desembolsou cerca de R$ 20 mil para a compra de equipamentos de saúde, remédios e contratação de profissionais especializados. Além da criação de protocolo de segurança, campanha de conscientização e distribuição de máscaras nas aldeias. As medidas foram efetivadas nas aldeias nambikwaras, manokis e halitis-paresís. Os manoki não tiveram falecimentos na comunidade. Já os nambikwara perderam um ancião, de 96 anos. Os halitis-paresís vivenciaram a crise de forma mais intensa, com 160 infectados e cinco mortes numa comunidade de cerca de dois mil moradores. 

GENILSON KEZOMAE

Guerreiros entrincheirados na lógica do agronegócio

Por Carina Gonçalves

Tabajara
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Ser mulher e indígena vai além da luta contra o preconceito. No litoral sul paraibano, as tabajaras estão sempre em batalha por novos espaços. Aos 21 anos, Bruna, estudante de enfermagem, é um expoente feminino do movimento de resistência de uma etnia que quase foi considerada extinta, mas ressurgiu com toda força nos últimos anos. “Chegou a hora de a gente gritar”, afirma a ativista.

Ela diz:

No século XVI, eram 40 mil tabajaras. Hoje, são cerca de 3.000. Eles estão espalhados pelo Ceará, Paraíba e Piauí. Em entrevista à reportagem, Bruna conta que a guinada pela sobrevivência cultural da comunidade ocorreu em 2006, quando o Cacique Edinaldo Santos Silva iniciou o resgate da história e da identidade. Quatro anos depois, veio o reconhecimento da Fundação Nacional do Índio (Funai). O grupo retomou o ritual do toré - a dança tradicional - e a tradição das pinturas corporais.

 

A partir daí, a demarcação das terras tornou-se o foco central de luta dos indígenas. Em 2011, eles ocuparam uma área tradicional da etnia, que havia sido comprada pela empresa de cerâmica Elisabeth, na região dos municípios de Alhandra, Conde e Pitimbu. Um acordo garantiu à comunidade ocupar uma parte do espaço. Assim surgiu a Aldeia Vitória, em Conde, onde Bruna mora. Os tabajaras vivem ainda nas aldeias Barra de Gramame e Nova Conquista. “O povo tabajara ainda não tem terra demarcada. O processo é lento, mas não é impossível”, observa Bruna. “Infelizmente, sem a demarcação a gente fica sem acesso a alguns direitos.”

 

Em 2020, o impacto do isolamento social para conter a pandemia da covid-19 refletiu nas atividades econômicas dos tabajaras. O impacto atingiu desde os trabalhos dos indígenas fora da aldeia como a venda de orgânicos e artesanatos para turistas. Com as medidas de segurança, não havia mais clientes para comprar as peças.

 

O enfrentamento da crise sanitária foi difícil para as mulheres da aldeia. “A gente ficou com o emocional abalado”, relata Bruna. “Muitas mulheres indígenas faziam renda por meio do artesanato. Tinham material, mas não tinham para quem vender. Imagina que triste para essas mães vendo os filhos pedirem para comprar alguma coisa e não ter o dinheiro”, ressalta.  Seu relato é significativo:

 

O empoderamento feminino na aldeia é uma força não só econômica, mas também política. Bruna explica que há dois grupos de visibilidade das mulheres tabajaras: as niaras, de sua aldeia, que em tupi-guarani significa mulher determinada, e as moaras, de Gramame, que significa “ajudar a nascer”. Elas atuam na espiritualidade, fazem horta e farmácia viva, que é a medicina tradicional indígena.

Suas conquistas já são realidades, conta Bruna:

 

Outro empecilho ocasionado pela pandemia foi a impossibilidade de realizar ações e debates de melhoria das aldeias. Os grupos de mulheres, por exemplo, faziam rodas de conversas mensalmente. O “Grito Indígena Tabajara”, evento que trata de políticas educacionais e públicas, não pôde ser realizado. As assembleias tabajaras, que discutem as questões da aldeia foram igualmente suspensas.

 

Um levantamento do projeto Observatório Antropológico, do Departamento de Antropologia da Universidade da Paraíba registrou, em agosto, 39 casos da covid-19 entre indígenas e uma morte. Até o momento em que esta reportagem era produzida, a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) realizou apenas duas visitas às aldeias para testagens. Os tabajaras são assistidos pelo Distrito Sanitário Especial Indígena (Dsei) dos Potiguaras. O órgão faz visitas quinzenais. “Não é um atendimento tão bom”, desabafa Bruna. “A gente não tem maca nem onde fazer um exame rápido.”

 

No início da pandemia, os indígenas foram contemplados pela Funai e outras instituições com cestas básicas. Após um mês, houve uma redução do auxílio alimentar. Um mês chegava e outro não. Havia também atraso nas entregas.

 

Enfermeira

 

Bruna Tabajara cursa o 4° período de enfermagem na faculdade Uniesp. Ela relata que, no início da pandemia, não conseguiu assistir às aulas, pois tinha problemas de conexão com a internet. Além disso, a estudante, como tantos outros, desconhecia o funcionamento das ferramentas remotas, o que dificultou a aprendizagem.

 

Agora, ela diz que o acesso melhorou e já consegue acompanhar as aulas. A uma pergunta sobre a motivação pela escolha do curso, ela responde com firmeza: “Meu povo”. A futura enfermeira utiliza de seu conhecimento, na faculdade, para dar os primeiros auxílio de saúde aos parentes. “Já sei verificar pressão”, conta ela, “tem um curativo para fazer, eu vou lá e faço”, relata. “Eu praticamente atuo na minha área aqui na comunidade.”

 

A voz da mulher indígena é uma questão que vem ganhando espaço. Entre sonhos e obstáculos, a jovem líder enfatiza ser essencial não baixar a cabeça. Ela ressalta que o preconceito por ser indígena e mulher resultou em um desafio na luta pelos direitos do povo tabajara. Por fim, ela deixa uma mensagem para todos:

A força da mulher

Por Isabel Dourado e Ricardo Melo

BRUNA TABAJARA

Foto: arquivo pessoal

Xukuro
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MARCOS XUKURU

Da luta pela terra à disputa pela prefeitura

Por Carina Gonçalves e Lara Beatriz Nobre

Foto: Eric Gomes

Nas eleições da pandemia de 2020, oito indígenas se elegeram prefeitos no país, um aumento de 33% em relação ao pleito anterior. Um deles foi o Cacique Marquinhos, uma liderança xukuru de 42 anos, do Republicanos, de Pesqueira, no agreste pernambucano. Ele obteve mais da metade dos 17.654 votos válidos na primeira disputa ao cargo.

O novo prefeito fala sobre a importância do movimento indígena nesta eleição:

A campanha de Marcos Luidson de Araújo, filho do cacique Chicão, assassinado há 22 anos por conflito de terras, contou com apoio de uma frente de políticos de centro, direita e esquerda e lideranças sociais de Pernambuco. A luta de Marquinhos para sentar na cadeira de prefeito da cidade de 67 mil habitantes, sendo 12 mil aldeados, no entanto, se estendeu para a Justiça. Ele enfrenta um processo de impugnação da candidatura no Tribunal Regional Eleitoral.

O Ministério Público entrou com ação contra o líder indígena por ele ter sido condenado em 2015, pela prática de crime de incêndio em patrimônio privado. Ele recebeu uma pena de 10 anos, quatro meses e 13 dias de prisão e o pagamento de uma multa por um caso ocorrido em 7 de fevereiro de 2003.

É um capítulo de uma história de lutas por terra no Vale do Ipojuca, região que abriga 24 aldeias. Num atentado contra Marquinhos, dois jovens xukurus foram mortos. Mais de cem xukurus reagiram, incendiando carros e propriedades. Marquinhos e outros 35 indígenas foram condenados. A defesa diz que ele não participou das investidas e o processo não ouviu testemunhas importantes.

Naquele dia, Marquinhos seguia de caminhão para a Vila de Cimbres, com seu sobrinho, Diogo, de 12 anos, e os indígenas Josenilson José dos Santos, o Nilsinho, 24 anos, e José Ademilson Barbosa da Silva, 19 anos, o Nilson, quando o grupo foi surpreendido por tiros. Os dois últimos morreram baleados por José Lourival Frazão, o Louro Franzão, um xukuru que apoiava não indígenas. A emboscada resultou em protestos, a cisão política de quatro aldeias e a expulsão de 80 famílias da comunidade.

Por causa dessa condenação, os adversários de Marquinhos entraram com um pedido de impugnação. “O juiz local concedeu o registro da candidatura e a gente ganhou as eleições”, afirma. No TRE- PE, ele perdeu por quatro votos contra três. O candidato do Republicanos recorreu ao Tribunal Superior Eleitoral.

Ele avalia a importância de sua participação nas eleições. “É uma candidatura indígena pertencente a uma liderança indígena que quer quebrar paradigmas neste país”, diz. Marquinhos lembra do pai. O Cacique Chicão foi quem iniciou o movimento indígena na região de Pesqueira, em 1985. “Meu pai foi assassinado por fazendeiros pela questão da disputa territorial”, ressalta. Dois anos após o crime, o filho de Chicão assumiu a liderança dos xukurus, com apenas 21 anos. Desde então ele é visado pelos invasores de terras. Ele expõe as causas da sua candidatura:

A preocupação com sua segurança está sempre em pauta. “Eu passei 10 anos da minha vida com escolta de proteção pessoal.”, diz. Ele está sempre com segurança desde que a Comissão de Direitos Humanos de Pernambuco o destinou para o Programa de Proteção à Testemunha. Entretanto, precisou contratar uma nova equipe por meio de indicações de amigos. “Eu senti algumas sinalizações, algumas coisas suspeitas e tal, inclusive hoje eu estou andando com escolta policial”, relata. “Nós estamos lidando com um grupo que não quer largar a prefeitura de maneira nenhuma”, completa. “Tenho muitas preocupações, preciso me precaver. O grupo político ao qual Marcos se refere está no poder há 30 anos.

Os perigos da vida política são graves. Ele comenta:

A luta dos indígenas de Pesqueira na questão agrária também é antiga. “O caso xukuru é muito emblemático, mas nós conseguimos levar a demarcação da nossa terra para a Corte Interamericana de Direitos Humanos”, lembra. “O Brasil foi condenado recentemente por questões de violações de direitos. E a minha liderança sobressai a fronteira do Território Xukuru porque faço parte do movimento indígena a nível do Nordeste e do Brasil.”

Pandemia

Com a chegada da covid 19 os indígenas da região tiveram que se organizar para tentar frear o crescimento do número de casos da doença. Diante do descaso e negligência do governo federal, partiu das lideranças a adoção de estratégias para resistir à pandemia.

Nas aldeias foram adotadas medidas de proteção, como barreiras sanitárias, redistribuição de testes entre polos de saúde indígena e organização de locais para isolamento. Outro recurso foi a medicina tradicional indígena. A solução ancestral foi um complemento aos medicamentos receitados por médicos.

O governo federal se negou a contabilizar casos de mortes de indígenas que habitam terras não homologadas e zonas urbanas. As lideranças do setor, no entanto, continuam agindo para proteger suas comunidades. As campanhas de comunicação e mobilização foram grandes aliadas na obtenção de alimentos, materiais de higienização e Equipamentos de Proteção Individual (EPIs).

Segundo o último levantamento de dados da Remdipe (Rede de Monitoramento de Direitos Indígenas em Pernambuco), do final de 28 de agosto, foram 294 casos de pessoas que contraíram a covid-19 e 12 óbitos nas 15 etnias do estado. Nas aldeias xukurus, 60 tiveram a doença e se recuperaram.

A pandemia mudou hábitos dos indígenas da região. Em 2020, a 20ª Assembleia Xukuru, uma das maiores mobilizações indígenas do Brasil, foi realizada online. Foi a primeira vez em duas décadas que os participantes não se encontraram pessoalmente para celebrar a memória do cacique Xikão.

Além das alterações na programação, que antes contava com debates, palestras e oficinas, a tradicional pajelança de abertura não ocorreu. O evento foi aberto com o memby, um ritual conduzido pelo mestre Seu Medalha tocando uma flauta. Dessa forma, os indígenas puderam manter o hábito ancestral de louvar os “encantados”. "Em virtude do que está acontecendo no mundo, temos que seguir os protocolos das autoridades competentes, com orientação para que fiquemos em isolamento", disse Marcos no vídeo abertura do evento.

“Eu decidi concorrer às eleições porque acredito na missão que carrego comigo. Deus tem um propósito para as nossas vidas e o fato de eu ter assumido a liderança tão jovem, acredito que Deus tenha uma missão para comigo, para defender aqueles que mais precisam, os excluídos e marginalizados sejam eles indígenas ou não.”

Potiguara

Na pandemia, a busca pelo equilíbrio espiritual 

Por Isabel Dourado 

PORAN POTIGUARA

Foto: arquivo pessoal

 Poran Potiguara, 30 anos, é liderança indígena e atua desde os 13 anos no movimento em defesa da sua etnia, um dos povos tradicionais do litoral brasileiro. Eles resistiram à chegada dos europeus e permaneceram no lugar de origem ao longo dos últimos séculos. Ainda adolescente, participou da campanha para implantar séries avançadas e o ensino médio na Escola Pedro Poti, no município da Baía da Traição, na Paraíba. O colégio conta atualmente com 383 alunos.

 

Em 2009, iniciou o curso de Engenharia Florestal na Universidade de Brasília. No campus da UnB, manteve-se atuante no movimento indígena. Poran foi um dos estudantes empenhados na criação da “Maloca”, um espaço de convivência apenas para universitários vindos das aldeias.

Em 2010 o projeto começou a sair do papel. Os estudantes sugeriram que a estrutura fosse toda de madeira e com palha no teto. Apenas em 2014 a maloca foi entregue. O Centro de Convivência Multicultural dos Povos Indígenas tornou-se um espaço de troca de experiências, rituais, reuniões, eventos culturais e debates políticos. "A construção foi um divisor de águas e marcou a trajetória dos estudantes", avalia Poran.

Neste ano, ao voltar à Paraíba, ele se deparou com uma luta ainda mais complexa: o combate ao inimigo invisível chamado covid-19. Dados levantados pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) mostram que o novo coronavírus matou, até o começo de dezembro, cinco potiguaras.

As lideranças indígenas tinham consciência de que a localização das aldeias, boa parte delas em áreas turísticas, potencializava o risco do vírus. No dia 5 de abril, de forma voluntária, elas decidiram fechar os acessos à região com a montagem de 23 barreiras sanitárias. A Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) deu orientações apenas em maio, quatro meses após o início da pandemia no país.

Cerca de 18 mil potiguaras vivem em territórios dos municípios da Baía da Traição, Marcação e Rio Tinto. Na Paraíba, há ainda os tabajaras e os waraos – estes últimos de uma etnia que migrou da Venezuela para o Brasil em 2014, fugindo da crise econômica e da fome. Poran Potiguara relata que os waraos ficaram totalmente sem assistência do Estado.

Por sua vez, os potiguaras conseguiram se organizar, fizeram cordões de isolamento e se mantiveram isolados por três meses. Essa mobilização foi importante para evitar a contaminação desenfreada nas aldeias. Os caciques foram em cada estabelecimento comercial da comunidade, como bares, mercados, mercearias, para alertar a população da necessidade do fechamento preventivo. 

Todas as semanas, eles faziam reuniões para discutir normas com o objetivo de frear o contágio do vírus. Entre as regras estabelecidas pelas lideranças estavam a exigência do uso de máscaras, toque de recolher às 22h e proibição de aglomerações nas praias. 

As mulheres tinham um dia especial para cuidar dos bloqueios e fazer o controle. “Enfrentar a pandemia foi uma questão de resistência e mostrou o tanto que nós potiguaras ainda somos unidos quando é preciso lutar e combater algo ‘externo’”, afirma Poran Potiguara.

Os idosos ficaram isolados nas aldeias e algumas famílias impediram visitas por temerem a possível contágio da doença. Caso algum morador apresentasse os sintomas da covid-19, os indígenas das barricadas eram os responsáveis por fazer contato com a Sesai. Uma parte dos contaminados pelo novo coronavírus preferiu recorrer à medicina tradicional. As testagens eram realizadas semanalmente. 

Uma parceria entre as lideranças das aldeias e o departamento de Antropologia da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) permitiu a realização de pesquisas e levantamentos de dados para monitorar os casos de covid-19 nas aldeias. A antropóloga e professora Rita Santos, que coordenou o projeto, estima que foram distribuídos 4.700 kits de higiene nas comunidades. Ela também destacou o auxílio de outras instituições na ofensiva para frear a propagação do vírus. 

No dia 23 de maio foi registrada a primeira morte de uma potiguara na Baía da Traição. “A pandemia atingiu os indígenas de uma forma que o nosso povo não estava preparado. Foram muitos dias de luta logo no começo que os casos de covid-19 se alastraram”, conta o agente de saúde Joab Potiguara.

Em meados de junho, autoridades de saúde registraram 105 casos de potiguaras atingidos pela doença,  em 11 aldeias, e após três meses os cordões de isolamento foram enfraquecidos e as medidas de bloqueio, relaxadas. 

No mês de agosto, os casos de covid-19 saltaram para 762. Desses, são 418 casos nas aldeias e 84 nas áreas urbanas de Baía da Traição, Marcação e Rio Tinto. Seis indígenas morreram. Destes, um era xukuru. 

A maioria dos casos foi registrada nas aldeias de Monte-mór, Alta do Tambá, Camurupim e Akajutibiro. As mulheres indígenas foram as que mais testaram positivo para o novo coronavírus. Enquanto a taxa de contaminação dos homens figurou em 39%, a das mulheres atingiu 60% de casos positivos.

As lideranças supõem que a diferença de percentuais é explicada pelo fato de as mulheres terem ficado encarregadas de se deslocar até agências bancárias e lotéricas na cidade para sacar o auxílio emergencial e realizar as compras.

 

Indígenas que trabalhavam no turismo, na pesca, na agricultura e na venda de artesanatos ficaram desassistidos. Nem todos conseguiriam ter acesso ao auxílio emergencial aprovado pelo Congresso. As 6.000 mil cestas básicas distribuídas pela Fundação Nacional do Índio (Funai) na Paraíba também não foram suficientes para atender as comunidades indígenas do Estado. Procurado pela reportagem, o órgão alegou que distribuiu as cestas entre maio e dezembro, mas não deu detalhes da ação. “Aqui, na área indígena, tem a venda de artesanatos e a pandemia pegou a gente de forma desprevenida. A renda do turismo foi muito afetada”, explica Joab Potiguara. 

O isolamento impediu a realização de rituais nas comunidades. O principal deles foi o toré, dança considerada símbolo da resistência e união dos índios do Nordeste. Em geral, o ritual chega a reunir dezenas de pessoas em festas que se prolongam durante um dia inteiro. “Tem um fator espiritual que a gente acredita muito”, afirma Poran Potiguara. “Para a situação estar equilibrada, o mundo espiritual precisa estar também. A gente chama o mundo dos encantados. Todo indígena tem esse lado espiritual muito forte.” 

Mensageiros espirituais tinham alertado a respeito da pandemia, relata Poran. “Antes de 2020, a gente tinha alguns recados dos mensageiros. Eles disseram que um portal iria se abrir e trazer muitos espíritos ruins. A gente não tinha ideia que ia ser uma pandemia e que iria tudo parar. Quando estourou com muitas mortes tudo o que os mensageiros falaram lá atrás estava acontecendo.” A reflexão que ele deixa é esta:

Tupinikim

Na foto Douglas Tupiniquim - Jogos Tradicionais Indígenas

PAULO TUPINIQUIM

Luta contra gigantes

Por Isadora Wandenkolk

Foto: Thalia Oliveira

Eles são descendentes diretos do povo que viu a chegada dos primeiros navegantes portugueses ao litoral brasileiro. Um estudo genético publicado em janeiro de 2020 pela Proceedings of the National Academy of Sciences, conceituada revista científica dos Estados Unidos, revelou que os tupiniquins do Espírito Santo, ao lado de tupinambás e potiguaras, do Nordeste, estão entre os representantes vivos do grupo que teve contatos com os exploradores europeus no século XVI.

 

Mesmo após cinco séculos de genocídio, cerca de 3.800 tupiniquins resistem em seis aldeias do município de Aracruz,a  81 quilômetros de Vitória.  É numa delas, em Caieiras Velhas, que atua Paulo Tupiniquim, de 47 anos, coordenador-geral da Apoinme - sigla da Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo.

 

Na militância do movimento desde 1998, ele relata que os indígenas enfrentam a falta de ações do Poder Público para conter a covid-19. A pandemia deixou ainda mais evidente a política de invisibilidade dos povos tradicionais por parte dos governos federal, estadual e municipal. 

 

Os tupiniquins enfrentam também o antigo problema de invasões de terra. A luta das comunidades pelo direito de permanecer e ocupar o espaço tradicional começou em 1967, com a instalação em pleno território indígena da empresa Aracruz Celulose, um projeto econômico privado financiado com recursos públicos pela ditadura militar. 

 

Por estarem em uma área pequena, se comparado às terras indígenas de outras regiões do Brasil, os tupiniquins são afetados pelo processo de expansão urbana. Levantamento do Ministério Público registra outros 38 empreendimentos públicos e privados no entorno do território tupiniquim.

 

Paulo Tupiniquim observa que muitos desses empreendimentos não mantêm “diálogo” com a comunidade. Ele ressalta ainda que os projetos econômicos não atendem a critérios de licenciamento ambiental nem respeitam a área das aldeias. “É uma situação bem complicada”, afirma.

 

Os tupiniquins resistem também a invasões de posseiros. Por isso, as aldeias aumentaram a expectativa diante do julgamento do processo do Marco Temporal - ação no Supremo Tribunal Federal que reconhece como tradicionais apenas as terras demarcadas antes da Constituição de 1988. Em Aracruz, os indígenas enfrentam, desde 2015, ações judiciais que contestam antigas demarcações.  Ele explica sobre o assunto:

 

 

 

Pandemia

 

Durante os primeiros sete meses de pandemia, nenhum indígena foi testado pelos órgãos municipais responsáveis. Os moradores das aldeias só foram incluídos em outubro no Inquérito Sorológico do governo do Estado, após pressão das lideranças. “Tudo que nós conseguimos aqui foi por nossa própria organização”, afirma Paulo Tupiniquim. “Foi pela própria articulação das lideranças e dos profissionais de saúde que atuam dentro das aldeias que conseguimos os testes e uma barreira sanitária”, ressalta. “Tudo isso com a interferência do Ministério Público Federal para que a gente não ficasse largado de um todo.” O tupiniquim não poupa sua crítica ao Estado:
 

 

Ele avalia que as medidas tomadas inicialmente pelas lideranças ajudaram a atenuar a disseminação do novo coronavírus nas aldeias. Ele aponta que não houve registro de mortes, e que o pico de contaminações ocorreu apenas nos meses de junho e julho, quando cerca de 300 indígenas contraíram a covid-19.

Em resposta à reportagem, o governo estadual, por meio da Secretaria de Direitos Humanos, afirma que durante o período pandêmico entregou, a pedido de lideranças, cestas básicas e materiais de limpeza e higiene nas comunidades. Também ressaltou que fez esforços para incluir a população indígena nas suas políticas públicas. A Prefeitura de Aracruz não respondeu ao contato da nossa reportagem.     

A pandemia atingiu as fontes de renda dos indígenas. As famílias que vivem do comércio de artesanato e de produtos cultivados na região, como abacaxi e mandioca, enfrentam queda nas vendas. A situação foi mitigada, em maior parte, por meio de articulações do movimento indígena nacional, que ao longo do período pandêmico têm organizado campanhas de doações para auxiliar as comunidades vulneráveis, afirma Paulo Tupiniquim. 

 

O líder indígena alerta para a possibilidade de uma segunda onda da pandemia com o afrouxamento do isolamento social incentivado pelo governo federal e, recentemente, autorizado pelo governo estadual. “Todas as articulações que nós tínhamos que fazer foram por meio virtual. Suspendemos todos os eventos, rituais e festas, justamente para evitar a contaminação. Mas, infelizmente, nós temos gestores no nosso país que não enxergam dessa forma. As pessoas podem se contaminar e morrer que eles não estão nem aí. Para eles são apenas números”, afirma. 

 

Além dos tupiniquins, o Espírito Santo abriga ainda comunidades guaranis, que descendem de um grupo que saiu do Rio Grande do Sul, nos anos 1940, em busca de “terras sem males”. Ao chegarem ao Estado, vinte anos depois, esses indígenas se uniram aos tupiniquins, de presença nativa, e, em aldeias separadas, passaram a atuar juntos contra as políticas do regime militar. Atualmente, há cerca de 4.200 indígenas das etnias Guarani e Tupiniquim. Essa população se divide em 12 aldeias num território de 18 mil hectares, que só foi demarcado em 2007, após 40 anos de movimentos e reivindicações.

Guarani
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OLÍVIO JEKUPÉ

O escritor da verdadeira história do Saci

Por Juliane Alvarenga

Foto: arquivo pessoal

Nas margens da Represa Billings, no município de São Paulo, guaranis desafiam o presente e o passado da grande metrópole. Cerca de 300 índios vivem num território equivalente a 15 mil campos de futebol, demarcado ainda nos anos 1980, sem abandonar tradições e saberes no enfrentamento ao cotidiano urbano marcado pela violência e pela desigualdade.

 

É na Tekoa Krukutu, uma das nove aldeias da terra indígena da região de Parelheiros que mora uma das lideranças à frente da resistência cultural guarani. Olívio Jekupé, 55 anos, se destaca na cena periférica da cidade por livros que recontam para crianças a história do país. Longe dos salões da Avenida Paulista, o escritor e filósofo aproveita o turismo na região para divulgar e vender parte de 21 livros de uma carreira que começou em 1984. Entre suas obras estão O Saci Verdadeiro (publicado em 2000) e Ajuda do Saci (2006), trabalhos sobre as origens de um dos mitos do folclore brasileiro. 

O escritor conta que Jaxy Jaterê é uma entidade protetora da floresta. Na época da escravidão, os negros trouxeram da África o mito de um protetor da natureza. E essa história oral se espalhou no Brasil. Para vingar dos maus tratos, os escravos, à noite, quebravam coisas das fazendas, amarravam os rabos dos cavalos.  No dia seguinte, os senhores batiam nos cativos, que apontavam como autor dos atos um menino negro de um pé só, muito levado, protetor da natureza. No decorrer dos anos, a história dessa criança foi atrelada à de um personagem guarani, o Jaxy Jatere – que passou a ser pronunciado Saci Pererê.

Nos livros infantis, Olívio Jekupé aproveita a tradição oral e transcreve histórias que ouvia desde criança. Ele também é autor de A Mulher Que Virou Urutau (2011), Tekoa: conhecendo uma aldeia indígena (2011), O Presente de Jaxy Jaterê (2017) e Literatura Nativa em família (2020). 

Presidente de Associação da Aldeia Krukutu, o escritor nasceu no Paraná. Ele começou a escrever em 1984. Quatro anos depois, iniciou o curso de filosofia na Pontifícia Universidade Católica, em Curitiba. Vendia artesanato para custear seus estudos.

Em 1991, ele mudou-se para São Paulo, onde continuou o estudo de filosofia na USP. Mas faltando poucos “créditos”, como se dizia na época, passou a residir na Aldeia Krukutu, em Parelheiros, e não chegou a concluir o curso. Ele se casou com Maria Kerexu, com quem teve quatro filhos: Kerexu Mirim, Tupã Mirim, Jeguaká Mirim e Jekupé Mirim. 

Além de escritor, Jekupé atua na militância cultural. Ele integra o Núcleo dos Escritores e Artistas Indígenas (Nearin) e ajudou a fundar a Associação Guarani Nhe'en Porã.  Em suas palestras pelo país, o escritor reforça a importância da literatura nativa. Ele considera de extrema importância que os índios escrevam cada vez mais sobre suas histórias e contem suas culturas e lutas diárias. Jekupé ressalta que, embora não indígenas tenham escrito sobre índios, escrevem de acordo com o seu ponto de vista. 

Ele incentiva jovens das aldeias guaranis a escreverem e terem voz ativa nas causas de interesse coletivo. “A sociedade vai entender melhor o índio quando escutar o índio falando”, afirma. “Eu gosto muito de falar da importância da literatura nativa. Nós indígenas temos que escrever uma história nativa, para tentar mostrar um pouco sobre a nossa cultura, a nossa luta”, afirma. “Escrever sobre os indígenas, sempre escreveram. Eles (não indígenas) escrevem o pensamento deles, por isso é importante o índio também escrever. E eu sempre incentivei.” 

Olívio Jekupé conta que começou a escrever na intenção de tentar mostrar para a sociedade o que acontece nas aldeias. Desde 1500, ele observa, os índios sofrem com violências e preconceitos. Diante desta realidade, se propôs a escrever contos, poesias e romances sempre com uma visão crítica, tentando mostrar os problemas que os índios aldeados enfrentam.

O escritor levou tempo para conseguir publicar seu primeiro livro, o que ocorreu em 2000. Não parou mais, sempre aliando ao ensino infantil nas escolas de rede pública.

 

Pandemia afasta leitores

 

Por conta da pandemia do novo coronavírus, Jekupé deixou de dar palestras nas escolas. A divulgação dos livros é sua principal fonte de renda. Com o turismo nas aldeias também interrompido, ele e a família não podem ainda vender artesanatos. Mas o escritor ressalta que a comunidade conta com apoio de organizações não governamentais, igrejas e secretarias do governo para enfrentar o momento difícil. 

Ele comenta, ainda, que não está sendo uma situação conturbada. Mesmo que muitos índios da região tenham contraído a covid-19, cerca de 80% das famílias, as aldeias estão tomando os devidos cuidados enquanto a vacina não é disponibilizada. O escritor reforça a importância do conhecimento das ervas medicinais neste período de isolamento.  Sobre a situação de sua aldeia, ele comenta:

A mulher do escritor, Maria Kerexu, faz garrafadas de chás para as famílias vizinhas. Ela é sempre procurada quando alguém sente alguma dor de garganta, febre, qualquer coisa. “Enquanto a vacina não chega, vamos continuar tomando os remédios do mato”, diz Olívio. 

Os remédios naturais por vezes não são suficientes para casos mais graves, mas para isso eles têm uma equipe médica preparada na UBS. Então, procuram intercalar os remédios do mato e os da farmácia. 

Há na aldeia uma estrutura que atende as necessidades básicas da população, o que se fez necessário já que é muito distante da capital. O território indígena tem Posto de Saúde (UBS), Centro de Educação e Cultura Indígena (CECI) e uma Escola Estadual Indígena onde as crianças aprendem tupi-guarani e a língua portuguesa.

Os caciques têm um papel importante dentro da comunidade. Eles são responsáveis por trazer melhorias e benefícios de fora para dentro das aldeias, suprindo as necessidades básicas das famílias indígenas e agindo como porta-voz nas questões políticas, reinvindicações de seus direitos e negociações externas. Na aldeia Krukutu, o cacique é Karaí de Oliveira de 30 anos. Já a cargo do pajé, autoridade religiosa, é ocupado por Laurindo Tupã-mirim Veríssimo. Há 11 anos, ele chefia a comunidade em cerimônias como batismo. 

Apurinã
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KENNEDY APURINÃ

Foi com desconfiança e humor que Kennedy Apurinã respondeu ao primeiro contato feito pela reportagem via Whatsapp: “Tudo bem, Lara Croft. Quem é você, como sabe meu nome e de onde você me conhece?”. O questionamento não é injustificável. 

 

Kennedy Araújo da Silva Apurinã, de 35 anos, é uma das lideranças indígenas de Pauini, município do Sudoeste do Amazonas, perto da divisa com o Acre. A região é cenário constante de disputas por terras e intensas atividades exploratórias dos recursos naturais. E mais recentemente da crise sanitária gerada pela covid-19.   

 

A cidade de Pauini tem cerca de 20 mil habitantes, dos quais três mil são moradores indígenas, distribuídos em 38 aldeias. As dez terras que compõem o território indígena totalizam mais de um milhão de hectares de florestas e rios, um contraste comparado aos 4 milhões de hectares do município.

 

Dentre as dez terras indígenas da região, sete são demarcadas. Outras três ainda estão na fila de espera. O processo de demarcação e legalização dos territórios é demorado. “Quando há a notícia de que vão demarcar a terra, eles invadem e levam tudo. Os poderosos dão condição financeira, gasolina e estrutura para os outros saquearem”, conta. 

 

Kennedy, na língua indígena Katajury, é professor, trabalhou em aldeias da região de Pauini que sofrem com a extração irregular de madeira, o garimpo e a caça. “Katajury é meu ser. Kennedy é meu ser aculturado”, explica.

 

As lutas antigas se somam ao enfrentamento da pandemia do novo coronavírus, que se espalhou rapidamente pelas comunidades indígenas de Pauini. Kennedy relata que a covid-19 não demorou a chegar às aldeias. Assim que o Coronavírus começou a circular, os apurinãs que vivem na cidade foram convocados para decidir se ficariam na comunidade ou voltariam para o meio urbano. A partir daí as barreiras sanitárias foram montadas nos acessos à aldeia.

 

Ainda assim, o vírus avançou pela floresta. “Na teoria, o fato do acesso ser apenas por via aérea ou fluvial seria bom pra nós, mas não foi, os profissionais da equipe da Secretaria Especial de Saúde Indígena, (Sesai) foram infectados e - sem saber - contaminaram a população da aldeia”, relata. “Eles não tiveram culpa e nem fizeram por mal, até porque muitos são indígenas”, avalia. Apesar do trabalho em condições precárias, Kennedy defende que “a Sesai foi muito afinada e competente em seu trabalho.”. O órgão é fruto da luta indígena e, segundo ele, precisa ser preservado e bem gerido.

 

Com cerca de 120 moradores, a aldeia de Kennedy foi a que mais teve casos de infectados no município de Pauini - foram 47 registros identificados até o dia 3º de dezembro. Seis pessoas morreram na região. A crise só não se tornou mais aguda por conta dos saberes ancestrais cultivados pelos apurinãs. “O essencial para enfrentar a covid-19 foi a nossa medicina tradicional, nossas ervas, mascar nosso katsupary e tomar nosso awyri”, diz. “A natureza é perfeita, ela tem a cura.”

 

Kennedy mora em Pauini desde o início da pandemia, em março deste ano, e até hoje não retornou à aldeia para não colocar seu povo em risco. Ele ficou na cidade para cumprir suas funções na Secretaria de Educação. Atualmente é professor especialista em Educação Escolar Indígena e representante dos Povos Indígenas do Rio Purus dentro do Conselho Estadual da Educação Indígena.

 

O professor é também um dos fundadores da OPIAJ, a Organização dos Povos Indígenas Apurinã e Jamamadi. A entidade é a base da Federação das Organizações e Comunidades Indígenas do Médio Purus, a Focimp. A Organização foi fundada em 2004 por ele, em parceria com outras lideranças indígenas, como Celino, Francisco e Fabrício. “Em 2007 chegou o Alex, em 2008 o Evangelista, meu irmão, e em 2012 o Wallace, meu primo”. “Existem também muitas mulheres que se destacam na luta como Cris, Vanessa, Karaxipa (Fran), Amanda, Chirleane e Manupa Apurinã.” 

 

Os nomes de amigos, parentes e companheiros de trabalho aparecem muitas vezes nas falas de Kennedy, que faz questão de citar todos com orgulho do trabalho desenvolvido por cada um. Para ele, não há como falar de si sem falar também de quem luta ao seu lado. “Somos lideranças do chão da aldeia.”

 

A presença de Kennedy na cidade, bem como a de seu irmão e seus primos, foi importante para articular projetos sociais que garantiram a compra de três ventiladores para a região, onde não havia respirador. A organização indígena também fez “vaquinha” na internet e cuidou da distribuição das cestas básicas e da merenda escolar.

 

De pai para filho

 

Kennedy é filho de Rivaldo Justino de Araújo Apurinã, antigo líder que atuou na demarcação de territórios indígenas. O pai morreu em 1994, após uma picada de cobra, quando ele tinha nove anos. As tias acolheram Kennedy. Elas ajudaram inclusive na formação dele como liderança. “Quem me treinou para liderar foi uma mulher, minha tia Socorrinha”, diz, referindo-se a Socorro Apurinã.

 

Kennedy é pai de Kakojory (Rivaldo), Saorĩero (Jhennifer), Yũnary (Eduardo) e Sanypa. “Penso que um dia eles devem questionar o porquê da minha ausência, espero que eles entendam que foi preciso, não tinha outro jeito”, diz. Ele se separou há pouco mais de um ano da mãe de seus filhos. “Agora sou pai e mãe”, observa. Kennedy observa que a família de uma liderança sempre sofre os impactos da militância indígena. “Quase todos os que participaram da fundação da OPIAJ estão separados hoje. Lá atrás, em 2008, quando tudo ainda estava bem, eu já dizia que alguém ia ter que se sacrificar.”

 

Kennedy ressalta que as comunidades tradicionais esperam apenas o cumprimento das leis ambientais e sociais. “A lei que tem aí não fomos nós indígenas que fizemos. Eles (não indígenas) fizeram uma coisa para nós, mas eles não cumprem e nós temos que cumprir senão somos punidos”, afirma. “Nós só queremos que eles cumpram a lei que eles mesmos fizeram.”

 

Além das lutas históricas de um povo que passou por dois violentos ciclos da borracha, no século XX, Kennedy reflete sobre a atualidade: “Esse governo nos colocou numa situação difícil. Quando o presidente da República não coíbe, não faz a lei valer, os fazendeiros e garimpeiros ficam protegidos e aí complica para nós. Sem terra, somos pessoas sem direção, é nela que está a nossa orientação para viver, a nossa expectativa de construção.”

 

Kennedy cobra mais investimento público na área do ensino. “A  educação escolar indígena não é uma realidade nas aldeias. Precisamos de uma proposta pedagógica e de uma matriz curricular. O que temos hoje é uma escola de branco na aldeia”, avalia.

 

Num determinado momento, ele interrompe a entrevista. “Vou fazer pajelança”, diz, rindo. Pela câmera ele mostra a mão colorida de verde pelo famoso rapé apurinã, feito com awyri, uma mistura de plantas nativas que só os indígenas dominam. “Usamos para dar energia, fortalecer o espírito.” 

 

O líder indígena volta para falar da continuidade da luta por direitos humanos no pós-pandemia. “Temos orgulho de ser brasileiros, de fazer parte da pátria e orgulho de ser indígenas também. Quero que me respeitem, quero dignidade”, ressalta. “Queremos a permanência das terras, a demarcação de nossos território, uma educação escolar indígena de fato e o fortalecimento da Funai e das instituições governamentais e a mudança da forma como são feitas as políticas públicas.”

Ele avisa que o movimento indígena estará sempre atento. “Abaixar a cabeça não ficou para Apurinã. Nós seguimos avançando. Só paramos se for para equilibrar e traçar estratégias. Nós não vamos recuar, só em último caso e para dar dez passos para a frente depois.”

"Sem terra, não temos direção"

Por Lara Beatriz Nobre

Foto:  Ana Paula Ferreira Chaves

“A luta é constante

e eu sou perseverante

[…]

meu descendente persistente

sempre sangrando

mas sempre insistente”

 

Na abertura de uma transmissão ao vivo pela internet, o rapper Bruno Veron, de 26 anos, cantou, no dia 10 de outubro de 2020, uma de suas músicas sobre o drama das comunidades guaranis e kaiowás, de Dourados, Mato Grosso do Sul. Os versos da canção “Eju Orendive”, no início deste texto, ajudaram a incentivar doações para o combate à pandemia nas aldeias e na compra de cestas básicas e produtos de higiene. A live foi organizada em parceria com professores universitários do Estado.

 

Primeiro grupo de rap indígena do país, o Brô MC´s, criado por Veron, tem influência especialmente entre os jovens das aldeias da região a cerca de 200 quilômetros de Campo Grande. O grupo já fez diversos shows pelo Brasil desde a sua revelação, em 2009. As letras do grupo denunciam a rejeição, o preconceito, o sofrimento e as dificuldades da segunda maior comunidade indígena do país – atrás apenas dos tikunas, no Amazonas. Falam de água, terra, falta de saneamento básico e escassez de comida especialmente nas aldeias Jaguapiru e Bororó, próximas ao centro urbano de Dourados.

 

As duas aldeias somam 3.745 hectares, que abrigam 20 mil pessoas. Bruno nasceu na Bororó, onde morou com seus pais até se mudar para a vizinha Jaguapiru. As letras do rapper misturam as experiências vividas nas duas aldeias. 

 

Durante a pandemia, para manter a proximidade com o público, os rappers participaram de diversos eventos on-line que discutiram as consequências da disseminação da doença nas aldeias, assim como a diversidade do trabalho do grupo e a divulgação do novo álbum.

 

A rima

“Pra nós o kit índio é o papel e a caneta

rimando na batida eu vou levando a minha letra”

 

Idealizador do Brô MC´s, Bruno começou a “rimar” aos 13 anos de idade.  Ao fazer os primeiros versos na escola, ele enxergou o rap como uma oportunidade de se expressar. Pretendia traduzir os problemas que os guaranis enfrentavam. Para o rapper, a mídia estava voltada aos indígenas da Região Norte do país, pouco se falava dos povos do Mato Grosso do Sul.

 

Três anos mais tarde, ele se juntou ao irmão Clemerson e mais dois amigos também irmãos - Charles e Kelvin Peixoto - para gravar o seu segundo disco, desta vez em colaboração com outros rappers indígenas e não indígenas. O albúm “Brô MC’s Convidam” reafirma de forma ainda mais potente o valor da cultura indígena, com faixas em tupi-guarani.

 

Num estado de predomínio da música sertaneja, o Brô MC’s encontrou no boom bap (vertente do rap) a melhor forma de manifestação cultural. O grupo participou do campeonato Rap Nacional BR, em 2009, no Rio de Janeiro. Também se apresentou em cidades como São Paulo, Brasília e Florianópolis. “No Mato Grosso do Sul tem muito sertanejo, as pessoas não querem ir a show de rap, elas não escutam rap. Quando a gente procura os produtores e os eventos pra fazer show, eles logo perguntam “mas qual dupla é essa?”, diz Bruno sobre o reconhecimento do grupo no estado de origem.

 

A produção musical do grupo é artesanal. Os integrantes do Brô gravam suas músicas na casa de Clemerson, irmão de Bruno, onde fica o estúdio. “A gente vai tendo ideias espontâneas, escreve a rima, se comunica, dá ideia e vai para o estúdio gravar”, explica.

 

Condições na aldeia 

 

Os primeiros casos de covid-19 nas aldeias de Dourados, de acordo com Bruno, foram de pessoas que contraíram a doença na cidade. No início da pandemia, houve um surto nos frigoríficos da região, que alastrou a pandemia. 

 

Num tempo de recomendações para as pessoas lavarem as mãos com água e sabão ou álcool em gel, os guaranis enfrentam uma constante falta de água, por conta da grande densidade populacional. Eles têm que buscar água fora da aldeia e, assim, quebrar o isolamento.

 

Bruno conta que a comunidade se esforçou para manter o afastamento. Ele mesmo não saiu da aldeia entre abril e 13 de novembro - data em que colaborou com a reportagem.

 

Veron ainda relata os esforços que o Brô MC’s e lideranças da comunidade fizeram para construir uma barreira física em volta da aldeia. Ainda em maio, a Assembleia das Mulheres Kaiowá e Guarani publicou um texto, em inglês, em sua página no Instagram, declarando estado de emergência na aldeia. O comunicado foi publicado no perfil três dias antes a primeira morte de um indígena por coronavírus.

 

As atividades do Brô MC’s englobam desde a divulgação da sua música até a realização de lives para arrecadar recursos. Sem a assistência da prefeitura e isolados da estrutura da cidade, a comunidade depende da ajuda de terceiros para sobreviver. Nessa luta, as letras do Brô são armas poderosas dos guaranis e kaiowás.

Para que a conversa com Bruno fosse realizada, nossa entrevista foi remarcada algumas vezes e nossa comunicação foi interrompida por queda de conexão e de luz na região. Num cenário de covid-19 e isolamento social, as condições das aldeias se agravaram, com problemas antigos cada vez mais visíveis. As comunidades de Jaguapiru e Bororó enfrentam desde falta de energia a bloqueios das vias de acesso.

 

Em época de chuva as estradas ficam intransitáveis impedindo que as crianças compareçam nas aulas. Durante a pandemia a situação se agravou, os veículos do Ministério da Saúde não conseguiam chegar às aldeias devido às dificuldades de deslocamento e, segundo Bruno, um certo preconceito. 

 

Ele relata que diversas vezes as ambulâncias se negaram a prestar atendimento nas aldeias, cabendo aos líderes indígenas a remoção dos doentes para os Pronto Socorros. "As ambulâncias não querem vir até a aldeia, elas não vêm. Então os capitães levavam nos próprios carros, um até ficou infectado por causa disso."

 

Recentemente, a Justiça Federal condenou duas prefeituras de Mato Grosso do Sul a consertarem as vias dentro da reserva indígena. As condições das estradas são precárias, o que acarreta inúmeros problemas à comunidade. O MPF (Ministério Público Federal) determinou a realização de serviços de nivelamento, cascalhamento, limpeza e construção de caixas de retenção e valetas para escoar a água da chuva nessas vias.

 

“A semente da juventude”

O Brô MC´s procura abordar em suas letras a falta de alternativas culturais e de renda nas aldeias Jaguapiru e Bororó. Os versos das canções expõem a denúncia dos rappers.

 

“não porque tanta miséria, ao lado da cidade

reserva, favela, sequela que fica

desnutrição infantil índio suicida

e os que ficam procuram uma saída, poucas alternativas”

 

Uma boa parte dos jovens das aldeias têm o Brô MC´s como referência e por isso se arriscam no rap. Bruno observa que as habilidades vão além do hip hop. Muitos jovens rumam em direção ao sertanejo e ao forró, estilos musicais de maior adesão popular. 

 

As crianças indígenas também demonstram interesse pelos esportes. Muitas meninas e meninos têm o talento nos pés, mas dificilmente conseguem desenvolver uma carreira. “Assim acabamos perdendo grandes oportunidades”, diz Bruno. 

 

Em contraponto a tantas aptidões, tempos atrás, as lideranças das aldeias e, principalmente, os pais dos jovens despertaram para o problema que passou a atingir a juventude das comunidades: a depressão. É com dificuldade que Bruno relata sobre o mal enfrentado nas aldeias. Em certo momento da entrevista, ele tenta citar a palavra em português que designa a doença: "Aquele negócio que vocês brancos têm também… Depressão, né? Depressão”. 

 

Nas últimas décadas, o suicídio entre jovens tornou-se comum,  causando apreensão em toda a comunidade, que não sabia como lidar com aquela "doença de branco". Aos poucos as lideranças foram conhecendo as características da depressão e conseguiram se organizar de forma eficaz para ajudar os jovens. Os casos de suicídio têm diminuído com a presença de uma estrutura comunitária voltada para a acolhida emocional.

 

No áudio abaixo, Bruno comenta sobre a mudança de perspectiva da juventude e as preocupações emergentes:

 

 

Invisível. É assim que Bruno diz que se enxergava antes da criação do Brô. A uma pergunta sobre o objetivo das canções do grupo, o líder responde categoricamente que a intenção sempre foi tirar o índio das sombras e denunciar o preconceito descarado. 

 

A vida que eu levo

 

Com a mesma firmeza e tom de raiva ele canta a letra de “A vida que eu levo”:

 

“sendo alvo do desprezo da sociedade

índia invisível perambula pelas ruas da cidade

sentindo preconceito e a maldade na carne

proibido de entrar no hotel no restaurante

o mesmo que exibe quadro de índio”

 

A inspiração para o rap vem de um cotidiano de preconceitos e intolerâncias. “Não podia entrar em loja para comprar roupa. Se entrava em mercado era expulso. Ah, porque o índio é fedido, o índio é sujo”, comenta Bruno.

 

Apesar do ainda longo caminho a percorrer, ele avalia a importância do seu grupo e vê com otimismo o avanço que o Brô MC’s fez ao expor os problemas da comunidade em suas letras e iluminar o debate sobre as causas indígenas.

 

Confira um pouco do trabalho deles, com o trecho da canção Eju Orendive (12’’):

 

O rap que salva vidas

Por Giullia Colombo e Yasmin Dias

BRUNO VERON

Foto: Goldemberg Fonseca

Guarani Kaiowá
Yanomami

A batalha contra a xawara covid-19 e o garimpo

 

Por Mikaella Mozer Ferreira

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Foto:  Chico Batata/Greenpeace

DARIO YANOMAMI

Os yanomamis têm experiência com pandemias trazidas por gente de fora. A chegada da covid-19 à floresta do norte do Amazonas e de Roraima, na fronteira com a Venezuela, onde vivem 35 mil indígenas, trouxe lembranças amargas. Nos anos 1970, o governo ditatorial de Emílio Garrastazu Médici iniciou a construção da rodovia Perimetral Norte, na Amazônia. A obra abriu caminho para doenças como a malária e o sarampo, que dizimaram a população das aldeias.

 

A pandemia do novo coronavírus ocorre num momento em que os índios travam  batalhas para retirar de suas terras os cerca 20 mil garimpeiros que extraem ouro de forma ilegal. A etnia enfrenta, ainda, um surto de malária. Pesquisadores da Rede Pró-Yanomami e Ye´kwana, que atuam nas cerca de 300 aldeias do território indígena, avaliam que a doença pode potencializar a morte daqueles que a contraem.

 

Sem o auxílio e o apoio dos governos, as lideranças indígenas saíram em busca de recursos para conter o avanço da pandemia. “Estamos fazendo isolamento social, comunicando e informando a importância disso por radiofonia”, afirma Dário Vitorio Kopenawa Yanomami, de 38 anos, representante da nova geração de lideranças yanomamis.

 

“O xamã está trabalhando para combater o espírito da pandemia, temos visão de atividade da comunidade cuidando dos trabalhadores, mas não é fácil, é complexo”, completa. “É difícil não poder visitar parentes.”

 

Dário é filho mais velho de Davi Kopenawa, uma das mais expressivas lideranças indígenas da Amazônia. Ele está na linha de frente de uma das campanhas mais intensas nas redes sociais contra o garimpo ilegal, que é um dos responsáveis diretos pela disseminação do vírus na região. A #ForaGarimpoForaCovid tenta mobilizar a sociedade brasileira e a internacional para a retirada dos invasores do Território Yanomami. 

 

As 438.423 mil assinaturas recolhidas durante a campanha foram apresentadas na quinta-feira, 3 de dezembro, na reunião virtual realizada pela Frente Parlamentar Mista em Defesa dos Povos Indígenas, na Câmara dos Deputados. No encontro, indígenas e parlamentares discutiram as ameaças da mineração à vida dos povos yanomami, kayapó e munduru. Maurício Yekuana, uma das lideranças presentes, leu a carta do Fórum de Lideranças Yanomami e Yekuana encaminhado ao Conselho da Amazônia, órgão chefiado pelo vice-presidente Hamilton Mourão. “Queremos continuar em nossa terra ancestral em paz e com vida. Por isso insistimos para as autoridades que também escutem nossa voz e cumpram com o seu dever, impeçam que mais doenças se espalhem entre nós e retirem os garimpeiros de nossas casas”, destacou a carta.

 

Em julho, Dário foi recebido por Hamilton Mourão no Palácio do Planalto. A reunião, que durou 20 minutos, teve ainda a presença de quatro assessores da Vice-Presidência e da deputada federal Joenia Wapichana, da Rede Sustentabilidade, de Roraima. Kopenawa mostrou mapas das áreas invadidas, cartas e documentos para pedir a retirada dos garimpeiros. 

Ele relata que Mourão o recebeu como autoridade. “Falei sobre a invasão de terras, do garimpo ilegal, dos assassinatos dos parentes pelos garimpeiros. Pedimos equipes formadas por forças de comando, como fiscais do Ibama, do ICMBio, Força Nacional, militares das Forças Armadas e das polícias ambiental e Federal e servidores da Funai”, disse. 

 

Sem uma resposta clara para seu pedido, Dário utilizou a sua conta no Twitter para cobrar o posicionamento do vice-presidente. Ele levantou a hashtag #EaiMourão de forma a incitar a resposta. Entretanto, até o momento, nenhuma ajuda chegou até as aldeias. Dario ainda escreveu: “Peço a ajuda de todos vocês para continuar pressionando o @gen_mourão e o governo. O garimpo e a xawara #covid19 estão matando nossos parentes Yanomami. Isso tem que parar!”

 

Procurada pela  reportagem, a Vice-Presidência da República não se manifestou sobre a exigência de respostas.

 

A falta de equipamentos higienizados, testes, profissionais especializados e barreiras sanitárias prejudica o controle do vírus nas aldeias. Uma boa parte dos 25 postos de saúde do Território Yanomami não dispõe de materiais para fazer os atendimentos. 

 

A saúde pública das aldeias é mais precária do que a das cidades. Não há hospital de referência próximo. A preocupação é de que o número de contaminados venha a aumentar em grande escala. “A sensação é de que a lei brasileira não vale para nós, invasão de terra é proibida, mas a nossa pode. O garimpo já trouxe violência, bebida alcoólica, abuso sexual, mercúrio nas águas que passamos a nem poder beber e agora o vírus”, relata Dário. “Cansamos bastante de lutar, mas vamos continuar procurando órgãos públicos, pois os nossos parentes estão morrendo. Onde ficam nossos direitos? Vamos rebater e insistir.”

 

Espiritualidade

 

A pandemia também afetou os rituais yanomamis. Este, em especial, é um fator que impacta  muito as aldeias por ser um dos momentos de maior interação e trocas entre elas. O ritual funerário, onde os ossos são cremados e as cinzas ingeridas com mingau de banana, é considerado por sanitaristas um risco pela possível contaminação e foi alvo de discussão no início da pandemia. Enquanto o imbróglio se desenrolava, corpos de indígenas foram enterrados em cemitérios municipais sem a autorização das famílias.

 

Com o passar dos meses na pandemia, o impasse foi resolvido e os yanomamis entraram em acordo com o governo. Os corpos dos parentes que venham a morrer dentro da tribo permanecerão lá, já os dos falecidos na cidade serão transportados para a aldeia após três anos – para os das crianças o prazo é de dois anos. Os indígenas entenderam a necessidade da precaução.

 

Virada

 

Dário Kopenawa se mostra otimista em relação à nova face do movimento indígena. 

Ele conta que, num encontro de etnias, nomes de expressão internacional, como Davi Kopenawa, seu pai, Raoni Metuktire e Aílton Krenak, demonstraram confiança nas jovens lideranças. “Em uma reunião com a aldeia eles disseram que nós jovens agora devemos lutar, temos conhecimento para isso, sabemos usar a tecnologia e estamos preparados”, afirma Dário. “Raoni, Ailton e Davi já lutaram muito”, diz.

 

Em 1989, Raoni viajou a 17 países numa turnê da banda The Police. Mais recentemente atuou contra a construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte no Pará. No ano passado, voltou à Europa, onde encontrou o presidente da França, Emmanuel Macron, e o Papa Francisco.

 

Por sua vez, Ailton Krenak, de Minas Gerais, recebeu neste ano o Prêmio Juca Pato de Intelectual do Ano. Entre 1987 e 1988, ele participou da Assembleia Constituinte e tornou-se um dos líderes da Aliança dos Povos da Floresta. Ailton captou atenção da mídia quando pintou seu rosto de preto com pasta de jenipapo num discurso no plenário do Congresso Nacional. Era um ato em sinal de luto contra o retrocesso na tramitação dos direitos indígenas.

 

O xamã Davi Kopenawa, porta-voz e fundador do Hutukara Associação Yanomami, se destacou nos anos 1990 na demarcação do Território Yanomami. Ele viajou a diferentes países para defender a causa indígena. Foi reconhecido pelo prêmio Global 500 das Nações Unidas e pela Ordem do Mérito do Brasil. Na língua yanomami, Kopenawa significa “vespa”. Ele passou a adotar esse nome após ver, num sonho xamânico, os “espíritos-vespas”.

 

Dário avalia que a “virada” na luta indígena ocorre a partir dos novos meios de comunicação e da entrada dos índios nas universidades. Isso devido ao fato desses ambientes proporcionarem o estudo do mundo do branco, que garante aos indígenas  o reconhecimento dos seus direitos na vida institucional do país de forma mais profunda. 

 

Ele também avalia que a utilização das redes sociais para falar sobre os problemas é fundamental para fazer contrapontos, especialmente, em relação ao governo federal. “O que eu queria falar é que vocês brancos têm que reconhecer a gente”, afirma Kopenawa. “Nós não somos a mesma coisa. Eu sou yanomami, existem outras etnias, não tem que generalizar. Vocês tem que lembrar que nós temos muito para ensinar.”

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Foto: Thalia Oliveira

Tecnologia, resistência e tradição 

Por Rafael Paiva, Weslley Galzo e Anderson Alves

A pandemia da covid-19 aumentou os desafios nas comunidades indígenas e expôs de forma ainda mais evidente adversidades seculares. Não bastasse a luta para garantir direitos e manter os territórios, essas comunidades lidam, agora, com um mal invisível, capaz de acometer de forma mais intensa os anciãos, portadores de saberes únicos. Para conhecer as estratégias adotadas com o intuito de superar as dificuldades, nossa equipe de reportagem ouviu lideranças que despontam no movimento aberto por figuras históricas como Raoni Metuktire, Marçal de Souza, Ailton Krenak, Davi Kopenawa e tantos outros. 

De ativistas preparados desde a infância para assumirem postos de liderança até aqueles que iniciaram pelos caminhos das redes sociais, uma geração recorre às tecnologias digitais e à tradição cultural para tomar decisões essenciais para a proteção de seus povos.

A partir da floresta, do YouTube, da periferia ou do câmpus da universidade, esses protagonistas emergentes carregam a essência de suas identidades e a noção de suas responsabilidades. De cabeça erguida, levam adiante o espírito de combate das grandes lideranças. “Eu fico feliz de ter uma juventude atenta ao que está se passando ao nosso redor”, relata o escritor e líder indígena Ailton Krenak, um dos porta-vozes do Brasil real.

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